Blog - Os Papapinhões
A diversidade de papapinhões
Quem é serrano aqui do sul do Brasil conhece, desde criança, o pinhão e suas diversas formas de ser consumido. Semente das araucárias, que muitas vezes é equivocadamente chamado de “fruto”, o pinhão tem aquela forma cônica incomum, dotado de uma ponta aguda na extremidade que fica aderido à pinha e uma base larga com um espinho na outra, parecendo que foi feita para ser pega para comer. De alto valor nutritivo, é disputado nas matas por dois grupos principais da fauna: aqueles que conseguem pegar a semente lá na pinha ainda presa ao galho, como os papagaios, gralhas, ouriços e outros que esperam que os pinhões cheguem ao solo trazidos pela gravidade quando o vento sacode os galhos ou algum animal remexe a pinha para extrair os pinhões. Assim as cutias, roedores menores, saracuras, veados e porcos do mato se refestelam com a iguaria farta e saborosa. Festa no solo, festa nos galhos. Aqui na RPPN Papagaios de Altitude, em Urupema - SC, o banquete está servido e em qualquer lugar que se ande pela mata, os sinais são claros.
A casca da semente é muito dura e para abri-la é necessário técnica e ferramentas. Nós, humanos, cozinhamos na água, assamos em fogueiras ou na chapa do fogão, facilitando muito a abertura. Mas os animais dispõem apenas de bicos ou dentes para esta tarefa nada fácil. Os papagaios e gralhas seguram o pinhão com os pés e executam cortes ou furos na casca com seus bicos afiados como tesouras de barbeiro. Aí se deliciam com o conteúdo branco e adocicado da polpa até se fartarem. Algumas vezes estes pinhões já abertos escapam do pé da ave e caem, permitindo que alguns animais do solo acessem o restante do conteúdo com mais facilidade. No solo a técnica para abrir a semente é um pouco diferente. Roedores fazem, com seus incisivos afiados como navalhas, cortes precisos e retiram uma tampa da lateral da semente acessando, assim, o conteúdo. Saracuras furam o pinhão a golpes fortes de seus bicos para consumirem o conteúdo.
No solo ou nos galhos, o alimento está ali disponível num dos períodos mais frios do ano, parecendo mesmo que as araucárias adaptaram seu ciclo reprodutivo para ofertarem este maná no período mais desfavorável do ano - outono e inverno, períodos em que são raras as flores e frutas na mata. Assim a fauna tem no pinhão o principal item alimentar e em anos de abundância, como este de 2022, todos se beneficiam e enfrentam melhor os rigores do frio que se avizinha.
Cutias e gralhas são famosas por estocarem pinhões, como fazemos nos congeladores domésticos. Comem até se fartarem e depois enterram muitas sementes para períodos menos favoráveis. Muitas destes pinhões escondidos acabam germinando antes de serem consumidas, fazendo destas duas espécies da fauna os grandes dispersores das araucárias, aumentando o número de brotos de novos indivíduos na floresta e mesmo fora dela. Muitos pinheiros solitários no meio de algum campo, ou em alguma tapera, pode bem ter surgido de algum pinhão levado ou pelo vento, ou por gralhas e cutias que enxergaram nestes lugares longe da floresta, refúgios ideais para estocarem a comida.
Os pinhões são muito mais antigos do que papagaios, gralhas, cutias e o homem. Já existiam aqui muito antes e devem ter alimentado legiões de outros animais já extintos, como alguns dinossauros frugívoros. Tento imaginar se um pinheiro tivesse a consciência do tempo passado e observasse hoje seus comensais aguardando pelo outono e pensando: “quanto tempo alimentando estes animais grandes e pequenos que surgem e desaparecem, surgem e desaparecem... qual o sentido disto? Por quantos milênios faremos isso ainda? “Os papapinhões atuais não sabem desta longevidade das araucárias, mas sabem bem a importância que elas têm para a vida por aqui.
