Blog Destino Atacama

Cerro Colorado

Rio Tártagos, que passa ao lado da casa de Atahualpa

Quando morei em Porto Alegre durante os anos 70 e 80, conheci a obra do poeta argentino Héctor Roberto Chavero, imortalizado pelo pseudônimo de Atahualpa Yupanqui que, no idioma Quéchua, significa “vindo de longe para contar”. Foi um cantor e compositor de músicas e poesias nativas e me gustava sua voz grave, rouca, meio opaca e calma falando das coisas e gentes de sua terra, sempre acompanhado de seu violão. Ele morreu na França em 1992, apenas dois anos após o passamento de sua esposa e, dizem, por que não suportou estar longe dela por muito tempo, já que viviam há mais de cinquenta anos unidos pelo amor e pela música. Entre tantas composições de Atahualpa, há uma que gosto muito – Piedra e camino, que fala de um tal Cerro Colorado, que eu idealizava como uma coxilha suave e com cores vermelhas emprestadas pelos cristais das rochas. Errei por pouco!

Cerro Colorado, visto da casa de Atahualpa

Na última sexta feira, 10 fui conhecer o famoso Cerro Colorado, que tanto ouvia falar nos versos do compositor. Está localizado perto da cidade de Jesus Maria, Departamento de Córdoba, onde estávamos hospedados em casa de Negro Cáceres, um irmão de Mário. Viagem rápida e tranquila por estradas boas que se deitavam pelas áridas planícies da região. Chegamos a uma pequena serra que quebrava o horizonte que há dias víamos, sempre plano e muito distante. Ali se espalha o pequeno povoado de Cerro Colorado e pude, finalmente, conhecer o famoso lugar. Atahualpa veio para cá conhecer a arte rupestre indígena, pela distante década de 30 do século passado, e se apaixonou pelo lugar, construiu uma pequena casa e o sítio se transformou em pura inspiração, onde compôs algumas de suas poesias e músicas.

A casa do poeta

Pouco antes de sua morte sua casa foi transformada em museu e sua propriedade em uma Fundação, que é administrada pelo seu filho. Pude ver alguns de seus pertences originais que descansam na casa, como seu violão, algumas partituras originais de suas músicas escritas por sua mulher, que era pianista, o quarto com as camas e o chinelo ainda aguardando ao lado da cama e, o mais importante, a energia que todo o local empresta a quem ali chega. No pátio da casa, voltado para um dos costados do Cerro Colorado, estão as cinzas do poeta, juntamente com as de um grande amigo seu que, por promessa em vida, queria que ali se depositassem seus restos.

Crianças de uma escola ao redor do local onde estão as cinzas do poeta e seu amigo

Mas antes da visita a casa do poeta, resolvi subir ao topo do Cerro Colorado e assim fui levado até o início da trilha e segui, calmo e com grande expectativa, pelos meandros do cerro escalando as rochas vermelhas e que muito se parecem com as nossas pedras de areia vindas de Taquara, que utilizamos para fazer muros e alicerces. Trilha forte, íngreme e sem escadas, com dificuldade consegui chegar ao topo e pude ali desfrutar de um cenário idílico, intenso, colorido e cheio de histórias de gentes do passado e do presente. Um vale cortado pelo pequeno rio Tártagos de águas limpas que cantam ao descerem pelas pedras e o Cerro Colorado no meio, parecendo olhar e cuidar de tudo em volta, fazendo o contraponto de harmonia na paisagem como se fosse uma das tantas poesias escritas por Atahualpa. Lá no topo do Cerro, junto com os urubus e o vento, pude sentir toda a força do vale abaixo e compreender o motivo do poeta ter se apaixonado pelo lugar e aqui fincado suas raízes. Junto, a este texto, algumas fotos para tentar passar ao leitor aquilo que senti, vi e absorvi do lugar. No retorno, cansado e feliz, reencontrei a família e amigos de Mario com um assado de cabrito feito ali pelo Táta, enquanto eu subia e descia do cerro. Um dia de descobertas e com um final apoteótico e inesquecível cercado de amigos novos. Um saludo e gracias a todos da família e Cáceres e amigos que tão bem aqui me receberam.

Sou do Cerro Colorado, onde não sabe chover

Onde ninguém cruza o rio, quando ele resolve crescer (Atahualpa Yupanqui)

Tu que podes, volte, me disse o rio chorando. Os cerros, que tanto queres, estão lá te esperando (Atahualpa Yupanqui)

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