Blog Destino Atacama

Erva mate, coca e guaraná.

 

Ambiente desértico e de grande altitude exige o consumo de folhas de coca para poder suportoar o ar rarefeito. 

Os nativos da América do Sul, quando por aqui chegaram portugueses e espanhóis, já há muito utilizavam plantas, sementes e frutos como estimulantes para suas festas, para suportar as agruras do trabalho, do calor, da altitude, da fome ou do frio. Mascar folhas, fazer infusões, ralar sementes ou ingerir cogumelos é uma resposta adaptativa do homem americano para levar adiante a tarefa de sobreviver em ambientes tão díspares como um deserto absoluto – caso do Atacama, e uma exuberante e úmida floresta amazônica. Cada local exige dos organismos adaptações especiais para sobreviverem e deixarem seus descendentes com saúde e aptos a seguir o plano genético da espécie.

Nas regiões altas dos Andes centrais os nativos peruanos descobriram, há mais de oito mil anos, que mascar folhas de determinada planta – a coca, aliviava o desconforto da falta de oxigênio, aumentando a força e tirando o sono que a altitude provoca, permitindo assim que vivessem com mais facilidade naqueles ambientes inóspitos que exigiam grandes esforços nos deslocamentos pelas montanhas e desertos. Até hoje estas folhas são mascadas e fazem parte da cultura dos andinos. Em 1859 a cocaína foi sintetizada pela primeira vez e utilizada como medicamento por Sigmund Freud, sendo ele próprio o usuário inicial. Em 1886 folhas de coca entraram na composição de uma das receitas mais herméticas do mundo: a Coca-Cola, posteriormente removidas.

Folhas secas de coca que são vendidas nas estradas do deserto do Atacama

Os índios da nação Guarani e outras próximas, como os Quíchuas e Aimarás, descobriram que a folha da erva-mate, nativa dos bosques das matas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Paraguai e Argentina, após serem sapecadas, secas, trituradas e submetidas a uma infusão de água quente ou fria, produzia uma bebida que tirava o sono e a fome, aumentava a força das pessoas permitindo que trabalhassem mais e melhor. O chimarrão hoje é uma instituição, uma identidade do povo do sul do Brasil e dos países vizinhos, uma herança dos moradores daqui. Grandes cientistas europeus que andaram pelo sul do Brasil entre 1820 e 1860, atestaram os benefícios físicos, sociais e econômicos da erva mate, como Roberto Ave-Lallemant e Auguste de Saint-Hilaire, este último um francês que foi quem a identificou cientificamente a planta, nominando-a como Ilex paraguariensis.

Folhas de erva mate, nativa do sul do Brasil: materia prima para o chimarrão

 

Na densa e úmida floresta amazônica, os nativos descobriram que a semente do guaraná, uma planta nativa da região, quando seca, triturada e misturada com água, torna-se um poderoso tônico, já que possui mais cafeína que o próprio café, sendo assim um excelente estimulante físico e mental. Guaraná deriva da palavra de origem Tupi wara’ná que significa “grande cipó da floresta” e ainda é, para algumas tribos amazônicas, uma planta sagrada. Em 1921 a Antarctica cria o refrigerante de guaraná até hoje existente no mercado.

Erva-mate, coca, e guaraná, três plantas muito distintas, de ambientes tão diferentes e que oferecem praticamente o mesmo conforto aos que as consomem e seguem sendo exploradas com aperfeiçoados métodos de produção, colheita, preparo e comercializadas pelo mundo todo. Intrigante é saber como que o potencial estimulante de cada uma destas plantas foi descoberto e utilizado pelos nativos. Sempre me perguntei como foi feito o primeiro mate e sei que a resposta nunca será encontrada, mas é intrigante ver como nossa espécie é hábil em explorar os recursos naturais que se mostram em seus ambientes, sejam eles complexos como uma floresta tropical ou mais simples e rudes como os altiplanos do Peru, Chile e Argentina. Tão poderosa é a coca que dela se extraiu um psicoativo que adotou um derivado de seu nome original, a cocaína, tão combatida e tão comercializada hoje que em nada lembra suas origens perdidas no tempo dos Incas, além de emprestar o nome e alguns componentes para o mais famoso dos refrigerantes. Tão poderosa é a erva mate que hoje movimenta uma gigantesca indústria que mantém o hábito do chimarrão mais vivo do que nunca. Tão forte é o guaraná que, assim como o mate, mantém uma poderosa indústria de refrigerantes, cosméticos e aditivos alimentares. Sábios mesmos foram os índios que souberam, por primeiro, identificar na natureza estas três plantas poderosas. 

logo retangular

Atenção:
É proibida a reprodução, total ou parcial, dos conteúdos e/ou fotos, sem prévia autorização do autor.