Blog Destino Atacama

Montanhas, coca e cactos

Cardon gigante com mais de oito metros, e não era o maior.

Viajar através da Cordilheira dos Andes, de leste para oeste, é um dos mais estimulantes e impressionantes exercícios para se entender a geografia, a geologia, a biologia e a história do homem e suas conquistas. Já fizera uma travessia em outros tempos, com menos idade e outros objetivos, quando junto com meu primo Júlio Zanatta, o Sapo, cruzamos a cordilheira de ônibus de linha de Mendoza a Santiago do Chile e, mais ao sul, de Puerto Montt a Bariloche, quando vi pela primeira vez a impressionante cadeia de montanhas que se estende da Terra do Fogo ao norte do continente sul americano. Formada pelo choque da Placa de Nasca, do assoalho do Oceano Pacífico, com a Placa Sul-americana que, por ser mais leve, elevou-se permitindo o surgimento da grande cadeia de montanhas que conhecemos hoje com seus picos de mais de seis mil metros de altura, lagos salgados, salinas com dezenas de quilômetros, desertos e planaltos altos, frios e com vegetação baixa e rala.

Planaltos e montanhas se espalham de leste para oeste

Nesta viagem com destino ao Atacama, atravessamos a cordilheira mais ao norte, no Paso Jama que liga Pumamarca, na Argentina a São Pedro de Atacama, no Chile. Literalmente a paisagem é de tirar o fôlego, tanto devido a sua beleza e diversidade de cores e formas, como pela altitude de mais de quatro mil metros que rouba as forças fazendo que qualquer caminhada de uma dezena de metros pareça uma maratona. Falta de ar e de forças são os dois sintomas imediatos, que podem ser minimizados com o remédio local para isso: folhas de coca secas mascadas lentamente e mantidas na bochecha para que se vá engolindo o suco aos poucos. Compra-se um saquinho destas pequenas folhas em qualquer banca de beira de estrada dos nativos que ali moram e comercializam seus produtos de artesanato, que pode ser de pedra, de lã de lhama ou de inúmeros chás (jujos) de plantas que nunca vi, mas que servem para uma infinidade de agruras do corpo e da alma, segundo os vendedores. “Tira o sono e aumenta a força”, diz um nativo com pele queimada de sol e com a boca cheia de folhas de coca sendo mascadas. O gosto e o cheiro lembram a folha da erva mate seca que eu preparava em casa, quando fiz alguns quilos secando no forno e triturando no liquidificador.

Espinho protetores e captadores de água

Antes de atravessar a cordilheira visitamos um parque nacional argentino que foi criado para a preservação de uma espécie de cactos gigante, o Cardon. Trata-se de uma espécie de grande porte que pode chegar facilmente aos dez metros de altura e se espalha pelas planícies e penhascos desta região de montanha. Ficamos muitas horas no meio do cardonal olhando e aprendendo sobre eles e lamentando que nesta época de inverno suas flores brancas e seus frutos saborosos estavam ainda aguardando a primavera para se abrirem. Mas valeu muito conhecer estes gigantes dos andes e sua peculiar capacidade de viver em uma região seca e fria como esta. Sem folhas, diminuem muito a perda de água por evaporação e seus milhares de espinhos funcionam como captadores de umidade e formam gotas nas pontas que caem ao solo, sendo absorvidas pelas suas raízes. Durante as raras chuvas da região capturam tanta água que incham como um reservatório elástico, um mecanismo adaptativo que lhes permite aproveitar toda a água possível. O líquido acumulado será utilizado com calma durante o restante do ano pela planta, sobrevivendo muito bem nos longos períodos secos. Estas são apenas algumas das tantas adaptações desta espécie de planta de zona árida, fria e alta. Para enfrentar a hostilidade da região, uns perdem folhas e armazenam água, outros tem pele escura e mascam folhas de coca. Adapte-se ou morra, a velha regra da natureza.  

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