Blog A Borda

O véu branco da Curruspaca

 

O caldeirão do cânion eleva a cerração que se espalha, branqueando campos e matas do Planalto.

Aqui na região da Borda dos cânions, em São José dos Ausentes, existe uma lenda que tenta explicar um fenômeno muito comum, frequente em quase todos os meses do ano, principalmente nos finais de tarde. Trata-se da Curruspaca e seu manto alvo que se espalha pelos campos cobrindo tudo de um branco úmido, silencioso e frio. A lenda conta que a Curruspaca é uma velha feiticeira que mora no fundo do cânion e que, quando acende seu palheiro, provoca esta fumaça branca que sobe e se espalha aqui no planalto, cobrindo tudo e todos.

A Curruspaca invadindo o campo...

Lenda à parte, a Curruspaca é simplesmente a cerração provocada pela subida do ar quente e úmido que vem da planície costeira e que, quando bate nos paredões dos aparados, sobe, resfria e condensa se transformando na conhecida cerração. O fenômeno faz parte do contexto local e todos os moradores, e já muitos turistas, sabem da chegada repentina da Curruspaca e ficam alertas a sua aproximação que, por bonito e sinistro ao mesmo tempo, pode encantar e criar pânico, já que a visibilidade pode ser reduzida a menos de um metro a frente e, para quem pela primeira vez se encontra pelas bordas do cânion, pode apresentar um grande risco de queda fatal, como já foi registrado por aqui.

Cada um encara a Curruspaca como lhe convém. Os moradores locais a tem como algo que atrapalha os trabalhos com o gado ou outras lidas de campo, por tudo encharcar e limitar a visão. Os turistas se aborrecem por que são impedidos de ver o cânion e a paisagem distante do litoral de Santa Catarina. Há pessoas, entretanto, que se encantam com a aproximação da Curruspaca e se deitam no campo e ficam viajando na nuvem que chega e aguardando que se dissipe, jurando que há poucas coisas mais prazerosas. Assim, a velha bruxa e seu palheiro mais desagradam do que encantam, mas este manto branco tem importância decisiva para a vida da borda do cânion, já que traz sempre muita umidade que é distribuída aos liquens, musgos, bromélias e demais plantas e animais que se aproveitam desta água que vem junto.

Cerração (Curruspaca) se formando no caldeirão do Cânion da Coxilha, em S. J. dos Ausentes RS

Pessoalmente, vejo a Curruspaca como algo fascinante, especial, um fenômeno meteorológico que aqui se pode ver desde a sua formação no fundo do cânion e acompanhar seu avanço sobre a borda e o campo. A paisagem vai se cobrindo de branco e escondendo o verde que se apequena diante do gigantismo do fenômeno. Ela avançando sem pressa sobre tudo, como se fosse uma frente de combate correndo sobre um inimigo a ser abatido. Passadas algumas horas, ou até mesmo minutos, a Curruspaca, assim como surgiu, some como que por encanto parecendo que cansou de branquear e ocultar tudo. Recolhe-se dissolvendo o manto num golpe mágico, sumindo no ar e abrindo novamente as cores da paisagem, já cansada da visão monocromática, curta e saturada de umidade. A velha bruxa apaga o palheiro, coloca o toco atrás da orelha, olha para cima e pensa: “amanhã de tarde eu fumo mais um pouco”.  

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