Blog A Borda

A solidão na Borda

 

Viver só, abrigado num contêiner/casa aqui na Borda, mesmo durante um período relativamente curto de uns 45 dias, é um exercício extraordinário de autoconhecimento e que me elevou a um outro patamar sobre o que sou, o que faço, o que quero e quem quero. Parece meio arrogante dizer isso, mas realmente o isolamento autoimposto é uma boa terapia, de tantas que já ouvi e li, já que não pratiquei nenhuma de forma consciente. O isolamento me obriga a tudo que envolve o dia e a noite, como dormir quando o sono impede a leitura ou a escrita, levantar quando a luz do dia entra pela janela e seguir uma rotina pouco definida. Se o dia está limpo, penso onde ir e o que encontrar e fotografar para uma crônica nova. Se o dia está fechado e ameaçando chuva, mudo para coisas de dentro de casa, e passo a selecionar fotos, escrever ou ler. Simples assim. Só que não.

O contâiner é muito confortável, tem espaço para tudo o que necessito e até mais, e me serve de forma muito tranquila para este propósito. Acontece que tenho que fazer simplesmente tudo que envolve limpeza, manutenção, conseguir lenha, grimpa e nó de pinho nos matos, controlar a boia e o motor que trazem a água da vertente até a casa, cuidar para não entrar água em dias de tempestade, fechando a porta de aço externa e ficando sem visibilidade nenhuma dentro de casa, fazer faxina geral, mudar as roupas de cama, lavar roupa, fazer comida, lavar e guardar a louça e muito mais.

Mas isso não me aborrece, por que me mantem ligado, conectado e muito vivo. Faço tudo ao meu modo, ao meu tempo, e assim vejo quanto trabalho tem que se dispender para se manter vivo, limpo e morando num lugar arrumado, digno e confortável. Na casa onde moro, em Canela, confesso que muitas vezes não percebo isso por que muitas destas coisas que listei acima, estão fora do meu rol de atividades cotidianas, aí dou mais valor ainda ao cuidado que minha mulher dedica a casa e as coisas que existem nela. Mais de uma vez falei para ela deixar da limpeza e sentar para um mate, e agora vejo com mais clareza a necessidade de tudo se manter organizado e limpo.

É bom ficar só quando se tem um propósito que, no meu caso, é ver, fotografar e escrever. A maior parte dos dias, pelo menos as tardes, ficam cobertos pela densa cerração, a Curruspaca implacável que fuma muito no fundo do cânion, mas a tudo me acostumo, apesar do aborrecimento que as vezes me acomete. Falar sozinho é outro hábito que desenvolvi, sendo que seguidamente me ouço monologando comigo ou com algum bicho que aparece, como as gralhas, os sabiás-do-campo, a maria-preta-de-topete, os graxains ou os tico-ticos, muito parceiros e que me visitam diariamente. Conto a eles o que faço aqui e troco a gentileza de suas visitas colocando alguma fruta ou quirera de milho em lugares onde eles podem se abastecer tranquilos e sem sustos.

Olho para o tempo a frente e vejo que está no final o trabalho aqui, e penso que poderia ficar mais um tempo, sem contar os dias e absorvendo o som do silêncio e o cheiro do campo. Mas volto confiante de ter feito o que me propus, e em breve será socializado em um livro virtual, com mais detalhes e crônicas inéditas sobre esta experiência ecológico literária. Agradeço a todos que me acompanharam semanalmente por aqui e me incentivaram com seus comentários, sugestões e críticas. Especialmente agradeço o apoio recebido do Açougue e Mercearia Gallas, da Fisiovet, da Pampeana Produções Ambientais e da Arrozeira Marios’s Rice que me permitiram permanecer por aqui e escorar algumas despesas decorrentes do aluguel e alimentação durante o período em que aqui permaneci. Também agradeço a direção e aos colegas da redação do Jornal Nova Época, que sempre me apoiaram nestas minhas empreitadas. Agora começo o esboço de um novo projeto e estou num dilema: encolher entre três ou quatro opções de destinos que se espalham na minha mesa. Logo saberão qual virá primeiro. Abraço a todos.

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