Blog A Borda

Os graxains da Borda

 

Casal de graxaim-do-campo muito curioso, farejando os rastros do novo morador

Sempre apreciei muito ver os animais silvestres livres e vivendo em seus ambientes naturais, caçando, comendo, descansando ou mesmo fugindo de algum predador ou assustados com minha presença. É uma vocação que tenho da minha profissão de biólogo. Gosto de ver e sentir a vida natural, com pouca ou nenhuma interferência humana. Daí resulta, provavelmente, minha aversão por zoológicos. Quando ainda estudava Biologia na PUC, na distante década de 70 do século passado, fui uma vez ao Passo do S, na época pertencente a São Chico e que ainda não era um Parque Estadual. Ali na estrada, numa das tantas curvas antes de chegar ao rio Tainhas, vi o meu primeiro graxaim ao vivo. Ele atravessou a estrada e rapidamente se meteu no campo alto, sumindo como fumaça. Fiquei perplexo, parei o carro e tentei seguir, inutilmente, o pequeno canídeo pelo campo. Ali começava uma grande paixão pelos cães selvagens que cultivo até hoje. Depois fui, junto com o meu amigo e colega Ricardo Bauer, na fazenda de um amigo aqui na serra e lá encontrei os primeiros crâneos de graxaim. Logo aprendi a identificar e diferenciar as duas espécies que ocorrem no Rio Grande do Sul, que se diferenciam por detalhes na morfologia dos ossos e dentes.

Durante a minha estada aqui na Borda, fui agraciado com a visita destes simpáticos e odiados mamíferos e mantenho com eles uma boa relação. Está claro que não tenho conflito com eles por que não crio ovelhas, galinhas, patos ou gansos, o que faz com que eles sejam caçados e mortos pelos fazendeiros por baixas aplicados as suas criações. Eles me visitam sempre no início das noites, rondam o gramado em frente, se aproximam de mim desconfiados e depois de alguns minutos, voltam para o campo. São curiosos e muito simpáticos, mansos até, mas não permitem uma aproximação maior. Melhor que seja assim. Fico no escuro sentado e eles devem me ver, mas talvez não identifiquem bem o que seja, já que não me movimento muito, apenas o necessário para acionar a câmera fotográfica, com a qual não se espantam.

Graxaim-do-mato vindo me visitar um tempo depois que a outra espécie saiu.

Outro dia presenciei uma cena que não imaginava ver nunca. Veio primeiro um graxaim-do-campo, que é menor um pouco, mais claro, orelhas mais pontudas e tem manchas brancas no peito e nas patas. Ele ficou por ali andando e cheirando até que percebeu algo. Virou-se para o escuro do campo e eu segui seu olhar. Com a lanterna consegui divisar um outro graxaim que espreitava o lugar. Este primeiro fez um movimento de corpo – ficou arqueado, com as costas bem para cima, com o pelo eriçado e começou a rosnar baixo. Bastou isso para outro sumir na noite. Pouco depois este primeiro foi também embora e não tardou o outro a aparecer. Aí eu percebi que era um graxaim-do-mato, que é a outra espécie que ocorre aqui no Estado. É pouco maior, mais escuro, com as orelhas mais arredondadas e sem as manchas brancas nas patas e peito. Aí entendi que estava havendo uma disputa de território não por indivíduos da mesma espécie, mas por espécies diferentes. Foi fantástico e só lamento não ter podido registrar em fotos os dois juntos, mas consegui fotografar as duas espécies separadas.

Este evento me deixou intrigado, por que nunca tinha ouvido falar que as duas espécies ocorressem tão próximas e, inclusive, disputassem território. Pelo que vi, o graxaim-do-campo era o dono do campinho, manteve o outro afastado só na rosnada e numa imposição gestual que o intimidou. Espetacular o evento.

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