Blog A Borda

Eu detesto cercas

Cercas de arame farpado dividindo campos e banhados

Reconheço a importância e a necessidade das cercas, sejam elas de madeira, pedra (taipas), de arame liso ou as famigeradas feitas de arame farpado. Como não tenho propriedade rural e, consequentemente não crio gado, ovelha ou cavalos, as cercas para mim são obstáculos, assim como o são para os animais de criação. Para mim elas quebram a paisagem, carimbando lugares distantes e ermos, seja em campo fora ou através de matas e banhados, como uma marca da presença e domínio do homem. Gosto de gauderiar pelos campos e matas atrás de bichos, plantas, paisagens e lugares incomuns e muitas vezes as cercas são um problema para mim. Há muito desenvolvi a técnica de cruzar cercas não por cima, como fazia e arriscava ficar preso pelos “documentos”, caso escapasse o grampo que prendia o arame de apoio do pé. Agora eu procuro um vão maior da cerca, entre o último arame de baixo e o gramado, que seja maior, e me deito ali deslizando para o outro lado, tranquilo e seguro sem medo de ficar espetado com um dedo ou rasgar as calças numa ponta do farpado, como muito me aconteceu.

O véu branco da Curruspaca

 

O caldeirão do cânion eleva a cerração que se espalha, branqueando campos e matas do Planalto.

Aqui na região da Borda dos cânions, em São José dos Ausentes, existe uma lenda que tenta explicar um fenômeno muito comum, frequente em quase todos os meses do ano, principalmente nos finais de tarde. Trata-se da Curruspaca e seu manto alvo que se espalha pelos campos cobrindo tudo de um branco úmido, silencioso e frio. A lenda conta que a Curruspaca é uma velha feiticeira que mora no fundo do cânion e que, quando acende seu palheiro, provoca esta fumaça branca que sobe e se espalha aqui no planalto, cobrindo tudo e todos.

Caminhando pelo rio

Pequeno cânion próximo a nascente do Rio Do Marco, mostrando o leito raso e rochoso do rio

Com o dia amanheceu limpo e com o sol estimulando aqui pela Borda, resolvi andar pelo leito do Rio do Marco até sua nascente. Este é o rio mais próximo da minha casa e avisto uma parte dele aqui da área. Manhã cedo, tempo limpo e estimulante, café tomado e feito com um iogurte vindo direto da Estância Tio Tonho, granola, castanha de caju e mirtilo fresco colhido aqui perto, tracei o caminho pelo campo e segui desviando banhados e cercas até chegar na cascata que é formada por um mini cânion, bem no meio do campo. Água limpa, rasa com o chão de pedras com algas e musgos, procurei chegar ao poço da cascata, escondido entre uma pequena mata e o paredão rochoso. Poço pequeno, raso e que me mostrou uma verdadeira obra de arte formada pela espuma branca carregada pelo movimento circular e lento da água que aqui reboja. Um quadro pintado em preto e branco. Fiquei ali um tempo apreciando o desenho mutante, como uma garatuja feita pelo rio que é oferecido a quem se aventura chegar até este poço.

Amanhecendo na Borda

Sol surgindo por detrás da Borda do cânion do Funil, em S. J. dos Ausentes

Ver o sol surgir numa madrugada limpa ou com algumas nuvens, em lugar privilegiado com a Borda, é um dos espetáculos mais fascinantes que conheço, só comparável ao acompanhamento das pinturas do ocaso, em algumas circunstâncias. Mas o nascimento do dia é diferente, mais emocionante e excitante por que ele espanta a noite, já cansada de escurecer a terra. Aqui na Borda eu acordo com o dia, sempre antes do sol quando já tem aquela claridade sutil vindo do leste e que mostra um pouco só da paisagem e das coisas. A janela do quarto fica sempre aberta e a luz é o meu despertador. Quando o tempo está bom por aqui, amanhece com aquela barra alaranjada no horizonte, lá para os lados de Santa Catarina e do Oceano Atlântico, mostrando ainda as luzes de cidades do litoral, como Araranguá, Morro dos Conventos e outras menores que não reconheço. Aqui em cima o campo ainda está quase em preto e branco, meio dormindo ainda pela débil luz, mas já se divisam as coxilhas onduladas, os paredões do Cânion da Coxilha, algumas cabeças de gado que pastam tranquilas na segurança do rebanho, soltas na imensidão do lugar.

Morando na Borda

Vista do litoral de Santa Catarina, em uma manhã antes do nascer do sol.

Como é a experiência de morar numa borda de cânion? É isso que vou tentar transmitir aqui numa sequência de crônicas que iniciam hoje. Para entrar no clima e na vibração do lugar estou escrevendo de frente para o cânion da Coxilha, em São José dos Ausentes, e ouvindo a rádio que todos ouvem na região: a Nevasca FM, de São Joaquim – “o som mais campeiro do seu rádio” que entra rachando aqui no container. Também pego algumas emissoras de Santa Catarina, da região de Araranguá. Gosto de ouvir as rádios locais para conhecer mais a fundo a cultura e os hábitos dos lugares e das pessoas.

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